terça-feira, 29 de setembro de 2009

A METRÓPOLE, FÁBRICA SOCIAL


seminário para debater a cidade
de 28 de Setembro a 1 de Outubro de 2009
Teatro Maria Matos, sempre às 18h30

Entrada livre
Organização do Teatro Maria Matos e da UNIPOP

A cidade constitui-se metrópole a partir do momento em que uma série de equipamentos e edifícios ligados em rede transformam cada via de acesso num fluxo produtivo. Uma teia de ligações, configurada por sistemas de transportes públicos, pontes e vias rápidas, redes sem fios e circuitos de videovigilância, é diariamente activada pela circulação dos habitantes da metrópole, os quais percorrem os escritórios, as fábricas, as salas de espectáculo, as lojas, as escolas, os hospitais, os jardins e os centros comerciais em que se produz e reproduz a vida social. A metrópole assemelha-se então a uma fábrica social, lugar de mobilização cooperativa da força de trabalho, onde se encontram as matérias-primas, circulam as mercadorias e onde se pratica o consumo, alimentando os circuitos de uma economia global.

Esta natureza produtora da metrópole encontra eco em alguns debates. Quando governantes e urbanistas invocam a imagem da “cidade criativa”, em parte reconhecem a natureza produtora da vida espiritual metropolitana. E quando nos falam acerca da necessidade de criação de uma imagem de “marca” para uma cidade, de algum modo repetem o gesto empresarial de criação do logotipo, símbolo que se inscreve no produto e cuja compra permite consumir um certo estilo de vida. Entretanto, a metrópole enquanto fábrica social extravasa largamente o que pode ser contido por aquelas formulações. Veja-se o caso da “cidade criativa”, fórmula que tende a reduzir a produção metropolitana a uma dimensão elitista, reduzindo a metrópole dos produtores – que liga margem sul e margem norte, que engloba centros e periferias, que articula indústria, serviços e comércio – a uma pequena e mui nobre cidade de criadores, de acesso restrito a alguns grupos profissionais de índole artística, uma cidade preferencialmente localizada em novos bairros de charme que emergem no interior dos velhos bairros populares dos centros históricos.

A contra-corrente desta concepção emergente que transforma a fábrica metropolitana em cidade criativa, a primeira sessão deste seminário de quatro dias começará por debater o conceito de “cidade criativa”. Contando, para este efeito, com a participação de investigadores das ciências sociais que se têm dedicado aos estudos urbanos, perguntamos para que servem as “cidades criativas”?

No segundo dia, com a ajuda de quem trabalha a metrópole em planos tão diversos como as políticas de transporte e as representações cinematográficas, transitamos da cidade dos criadores à metrópole dos produtores.

Esta passagem permitirá que no terceiro dia analisemos o governo metropolitano, debruçando-nos nomeadamente sobre a sua implicação no trabalho de arquitectos e urbanistas chamados a debate. O seu traço livre constitui muitas vezes a face mais visível de práticas e discursos de «renovação urbana» apontados à requalificação de zonas degradadas e à valorização do espaço público, mas a arte e engenho de arquitectos e urbanistas também participa, de forma menos evidente, de estratégias dirigidas à administração de pessoas e bens.

Finalmente, no quarto dia, focaremos os conflitos que ocorrem na metrópole e que são habitualmente tratados de forma despolitizada e avulsa (as chamadas “questões locais”) ou enquanto questões do foro criminal (a invenção dos “bairros perigosos”). Neste debate em torno das lutas metropolitanas, à procura de velhas e novas ligações entre antagonismos diversos, contaremos com a participação de activistas envolvidos nas lutas pelos transportes públicos, membros de comissões de moradores, dinamizadores de associações culturais, etc.

28 SET Para que Servem as “Cidades Criativas”?
Debate com Pedro Costa e João Pedro Nunes

29 SET Da Cidade dos Criadores à Metrópole dos Produtores
Debate com Tiago Baptista, Luís Vasconcelos e Renato Carmo

30 SET O Governo Metropolitano
Debate com Susana Durão, João Seixas e Tiago Saraiva

1 OUT As Lutas Metropolitanas
Debate com Chullage, João Branco e Eugénia Margarida

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domingo, 27 de setembro de 2009

Honra ao partido vencedor


Manifesto da Plataforma Abstencionista

O capitalismo é um sistema sem lei, que alimenta e serve os interesses dos grandes grupos económicos e de todos os que lhe seguem o modelo. Um sistema norteado por valores cujos princípios básicos potenciam o crescimento da injustiça e desigualdade sociais, da alienação e expropriação dos direitos fundamentais dos indivíduos, da exclusão, da exploração desenfreada de pessoas, animais e natureza, do fomento de necessidades de consumo, hábitos e procedimentos desnecessários que causam ciclos de guerra, sofrimento e miséria. As democracias “representativas” inculcam massivamente no imaginário dos cidadãos que os resultados dos actos eleitorais significam procuração irrevogável para o Estado agir, em seu nome, de forma omnipotente e omnipresente.

A democracia resume-se assim a isso mesmo: de tanto em tanto tempo fazer variar nos assentos do Poder aqueles que apenas estão lá não para nos representar como proclamam, mas para fazer cumprir todas as políticas decididas algures nos centros financeiros internacionais. Desta forma, a vontade dos povos e dos indivíduos não tem qualquer poder decisório. No entanto, são chamados sazonalmente ao cumprimento do seu “dever”, a horas e nos lugares certos, sendo-lhes outorgado um falso carácter determinante, vendendo-se assim a ilusão de que mandar representa, apenas, obedecer ao sentimento maioritário.

Para a prossecução deste embuste arenga-se que as eleições projectam um sublime acto de escolha. Com maior ou menor propaganda e manipulação, com mais ou menos promessas demagógicas que não colhem apenas os incautos, o sistema capitalista desce à terra de quatro em quatro anos, submetendo-se estoicamente à prova das feiras, dos comícios em terras inóspitas, dos beijos e abraços à saída das missas. Tem o seu banho democrático, diz-se orgulhoso por isso e afirma-se posteriormente encartado para decidir o que quiser decidir. São, depois, as regras da democracia “representativa” a gerarem a rotatividade na protecção do aparelho de Estado e na defesa das políticas rigidamente definidas que, a nível super-estrutural, o capitalismo impõe para prosperar e garantir a sua ditadura. São as terapias impostas para que o pulmão não se debilite, seja qual for o corpo (partido ou agrupamento político) que lhe dá abrigo.

O sistema capitalista tem sabido lutar bem por este seu paradigma, exigindo a quem dele vive o respeito e aceitação do Estado como entidade reguladora das relações sociais. Os jogos de alianças, a necessidade de apresentar alternativas e soluções como sinal de afirmação construtiva fizeram encostar a "extrema-esquerda" e a "esquerda" à "direita" e parte da "direita" à "esquerda" e ao "centro", juntando-se todos no Parque das Nações a comerem um caldo de maioridade e sensatez. Por isso, nenhuma, mas mesmo nenhuma, força partidária equaciona, hoje, a legitimidade dos cidadãos se sentirem defraudados com o que fazem do seu voto. Outra coisa, aliás, não poderia acontecer: por muito que possa doer a muita gente boa que palmilha caminhos de insubmissão, certo é que a participação nos órgãos de poder institucional significa a aceitação cordata das suas regras de funcionamento e a reverencial simpatia pelo Estado e pelo sistema que o mantém. Há que assumir sem rodeios que nas sociedades modernas a exploração violenta, desumana, arcaica e irracional que o sistema capitalista exerce legalmente vem resultando da "carta branca" fornecida pelos plebiscitos eleitorais. Percebendo a importância que as eleições dão ao sistema capitalista, ao longo das últimas três décadas várias foram as mobilizações em torno da defesa política da abstenção. Não havendo campanhas públicas sistematizadas nem qualquer sector a emergir colectivamente, o poder foi-se aproveitando disso para atribuir os resultados incomodativos à "preguiça", ao "tempo de praia", à "chuva diluviana", à "abstenção técnica", à não "limpeza dos cadernos eleitorais", à "mobilidade dos cidadãos".

Como se "ir à praia" em dia de eleições não devesse ser enquadrado numa atitude política assumida, denunciadora da rejeição do circo da sociedade do espectáculo; como se o "direito ao não voto" fosse menos legítimo que o "direito ao voto". Reduzir a participação eleitoral aos que alimentam e se alimentam do sistema, transformá-los em criadores, actores e espectadores da sua própria encenação poderá ser uma interessante tarefa revolucionária geradora de ataques localizados aos órgãos vitais desta sociedade dominante. Nesta lógica de combate deverá ser claro que uma plataforma de entendimento e acção em defesa da abstenção, que se almeja poder funcionar sem qualquer mecanismo reprodutor dos poderes conhecidos, nunca deverá ser entendida como um fim em si mas antes como um meio para reforçar o ataque sistémico ao capitalismo. Ao longo da história a sociedade humana foi sendo encaminhada para sistemas de funcionamento autocrático e dirigista ao arrepio das normas de relação fraternas, solidárias e horizontais. A introdução das regras mercantilistas, do desempenho individual, da competição e do orgulho na propriedade privada adulteraram a lógica comunal, transformando o ser humano num produto que deve mais do que tem a haver! A desumanização das sociedades dos novos tempos transformou as pessoas em números prontos para o massacre.

Isto não é inevitável! Sabemos de múltiplas lutas de resistência que foram capazes de mostrar que outro mundo é sempre possível ainda que o devir nos tenha acrescentado frustrações. Todos esses processos históricos encontram-se catalogados nos protótipos da utopia, tendo, alguns deles, sido concretizados. Este parece ser o grande combate de quem enjeita o poder institucional e não quer agir sozinho. A luta pela felicidade e pelo mundo harmonioso também passa por aqui sem aqui se esgotar! Liberdade não é poder escolher os tiranos, mas sim não querer nenhum.

Todas as rebeliões começam por uma recusa. Para justificar a tirania, virão pedir-nos o nosso voto.

OLHOS NOS OLHOS, DIR-LHES-EMOS QUE NÃO!


Plataforma Abstencionista
Novembro 2008


sábado, 19 de setembro de 2009

Asneira

Como somos uns amadores, uns autênticos funzineiros, esquecemo-nos de colocar a coluna de comentários em acesso aberto. O erro já foi corrigido.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Louçã e a negação da democracia

Anteontem Louçã foi andar de helicóptero. Se o helicóptero tivesse caído seria o fim do Bloco de Esquerda. Aqui reside a grande contradição do partido que se diz movimento. Porque é que a formação partidária que mais se reclama das novas formas de democracia participativa é marcada pelo fenómeno mais radical de personalização política existente no actual espectro partidário? A resposta de qualquer militante do Bloco de Esquerda seria a de que o partido não tem líderes. Tudo bem. A verdade é que desde a sua formação que Francisco Louçã possui o ónus de representação do Bloco de Esquerda. Hoje, por exemplo, é ele que (à semelhança de Sócrates, Ferreira Leite e Portas) é convidado no programa dos Gato Fedorento. É também a sua cara que aparece nos outdoors.

A explicação não é difícil. Louçã consegue reunir todas as qualidades que um político deve ter: sobriedade na vida pessoal e profissional, idoneidade, inteligência, cultura. A questão mais uma vez reside na contradição entre teoria e prática. Para que isto do socialismo e do anti-capitalismo corra bem, princípios expressos na entrevista que Louçã concedeu ao Público, é indispensável que os meios estejam o menos possível afastados dos fins. Se a ruptura com o actual sistema capitalista visa a democracia, não enquanto regime, mas enquanto dinâmica, é então necessário que as coisas sejam feitas da forma mais democrática possível. Pelos inteligentes, pelos burros, pelos bonitos, pelos feios, pelas mulheres, pelos homens. Num plano de igualdade.

Robert Michels descreveu como organizações democráticas depressa se tornavam oligarquias de ferro. Não obstante todas as reservas que devem ser feitas a esta obra (pelo facto do autor ver neste fenómeno uma inevitabilidade), existe um ponto que vale a pena referir. A dominação de partidos, organizações e movimentos não é apenas determinada pelo facto do poder hierárquico constituir uma espécie de droga, que vicia e contagia. Mas igualmente por uma questão de responsabilidade. Porque quando o líder de tudo se apropria, depressa descobre que levou a uma desresponsabilização das restantes pessoas. Deste ponto de vista, vale a pena perguntar: existe um Bloco de Esquerda para lá de Louçã?

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Bê a Bá do Neoliberalismo


Os hospitais públicos que adoptaram um modelo de organização empresarial (EPE) deram um prejuízo de 90 milhões de euros ao serviço nacional de saúde. Se fingirmos acreditar que tal medida não foi determinada por uma política de desorçamentação (constituindo empresas públicas, as suas dívidas não acumulam o défice público) ou por estratégias economicistas de redução de custos, mas sim pela mais que provada eficácia do modelo empresa, este prejuízo constitui, no mínimo, um resultado decepcionante. Mas cuja explicação (se calhar) não é assim tão difícil de expor:

1. As pessoas quando estão com doi dois precisam de levar picas e isso custa dinheiro;

2. Se os hospitais pertencerem a um senhor sozinho, a um capitalista mau, as pessoas com doi dois vão ter que pagar muiiitttto dinheiro para que lhe tratem dos seus doi dois. E então as pessoas que não têm dinheiro não vão poder ser tratadas e vão continuar com doi dois. Até sufocarem até à morte.

3. Se os hospitais forem de todos, então todas as pessoas, com dinheiro ou sem dinheiro, são tratadas e ficam sem doi dois.

4. Isso custa dinheiro, sempre custou e sempre custará. Quer tenham um modelo empresarial ou não. Ou são públicos ou não são.

5. Logo: prejuízo (hospital público) quer dizer que todos ficam sem doi dois. Lucro (hospital privado) quer dizer que só os ricos é que ficam sem doi dois.