segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O lince da Malcata

A inclusão de MVA nas listas do PS para as próximas eleições legislativas já mereceu amplos comentários e por isso não vale mais a pena insistir no assunto. A linha de argumentação que MVA tem vindo a seguir desde a assumpção pública do seu apoio ao PS não deixa todavia de ser ainda mais surpreendente do que a sua entrada no grupo parlamentar do PS. O caso mais recente é o artigo hoje publicado no Diário Económico, onde MVA se socorre da obra de Carlos Jalali "Partidos e Democracia em Portugal" para sublinhar a necessidade de deslocar a linha de clivagem entre esquerda e direita em Portugal da esquerda do PS para o espaço entre o PS e o PSD. A primeira surpresa nasce do facto de ver MVA a subscrever as teses institucionalistas de Jalali, que situa a quebra entre esquerda e direita no sistema partidário português entre as forças que no 25 de Novembro queriam uma democracia liberal e as forças revolucionárias.
Este raciocínio gera no leitor duas estupefacções, para além de ver MVA a apoiar-se neste tipo de argumentos. Em primeiro lugar se MVA leu a obra de Jalali como é que lhe é possível ignorar outros elementos enunciados pelo próprio autor: o facto de Portugal ser o país da Europa do Sul onde é menor a clivagem entre os partidos de "centro-esquerda" e "centro-direita"; de o PS e o PSD serem partidos sem enraizamento social e máquinas desideologizadas de conquista de poder; de que o bloco central esteve sempre junto nas decisões fundamentais do regime (a criação da UGT, a adesão à CEE, as revisões constitucionais ou a limpeza dos cadernos eleitorais em 1998) e que nos momentos onde esse acordo não foi possível a decisão foi remetida para referendo ou ainda a semelhança entre ambos nos padrões de ocupação dos lugares no Estado.
A surpresa continua quando, no movimento seguinte, MVA rejeita essa mesma linha de clivagem: "Trinta e tal anos (!) depois do 25 de Novembro não me interessa (e muito menos às gerações jovens) saber se a escolha é entre revolução ou democracia liberal, mas sim entre fazer ou não reformas com base em valores progressistas". Ora se o que interessa é "fazer ou não reformas com base em valores progressistas" como é que se esquece do historial do PCP (um partido "anacrónico", talvez como o lince da Malcata, de acordo com o mesmo Jalali) e do BE em levar para a frente uma agenda progressista? E como ignorar que, de uma forma ou outra, e para além dos debates para consumo interno, são na verdade os dois únicos partidos com uma agenda "social-democrata radical" no contexto da político português? Se é certo que existe uma esquerda séria e consequente no PS, num contexto onde a sistema partidário português está à beira de se dividir em três blocos, quebrando o habitual bipartidarismo, não seria "progressista" apoiar as forças à esquerda do PS, obrigando-as chegar a acordo? Não seria um sinal de "modernidade" acabar com a ética salazarista do governo de maioria absoluta e obrigar ao entendimento, mesmo que pontual das forças à esquerda?
É que quem lê MVA, nos últimos tempos, fica com a sensação que Manuela Ferreira Leite e Cavaco Silva são os únicos continuadores da herança salazarista, como se Sócrates e Guterres (de diferentes formas é certo) também não tivessem alimentado essa mesma tradição e a ética da "maioria absoluta" não fosse ela mesma um sinal inequívoco dessa filiação.

Sem comentários:

Enviar um comentário