quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Louçã e a negação da democracia

Anteontem Louçã foi andar de helicóptero. Se o helicóptero tivesse caído seria o fim do Bloco de Esquerda. Aqui reside a grande contradição do partido que se diz movimento. Porque é que a formação partidária que mais se reclama das novas formas de democracia participativa é marcada pelo fenómeno mais radical de personalização política existente no actual espectro partidário? A resposta de qualquer militante do Bloco de Esquerda seria a de que o partido não tem líderes. Tudo bem. A verdade é que desde a sua formação que Francisco Louçã possui o ónus de representação do Bloco de Esquerda. Hoje, por exemplo, é ele que (à semelhança de Sócrates, Ferreira Leite e Portas) é convidado no programa dos Gato Fedorento. É também a sua cara que aparece nos outdoors.

A explicação não é difícil. Louçã consegue reunir todas as qualidades que um político deve ter: sobriedade na vida pessoal e profissional, idoneidade, inteligência, cultura. A questão mais uma vez reside na contradição entre teoria e prática. Para que isto do socialismo e do anti-capitalismo corra bem, princípios expressos na entrevista que Louçã concedeu ao Público, é indispensável que os meios estejam o menos possível afastados dos fins. Se a ruptura com o actual sistema capitalista visa a democracia, não enquanto regime, mas enquanto dinâmica, é então necessário que as coisas sejam feitas da forma mais democrática possível. Pelos inteligentes, pelos burros, pelos bonitos, pelos feios, pelas mulheres, pelos homens. Num plano de igualdade.

Robert Michels descreveu como organizações democráticas depressa se tornavam oligarquias de ferro. Não obstante todas as reservas que devem ser feitas a esta obra (pelo facto do autor ver neste fenómeno uma inevitabilidade), existe um ponto que vale a pena referir. A dominação de partidos, organizações e movimentos não é apenas determinada pelo facto do poder hierárquico constituir uma espécie de droga, que vicia e contagia. Mas igualmente por uma questão de responsabilidade. Porque quando o líder de tudo se apropria, depressa descobre que levou a uma desresponsabilização das restantes pessoas. Deste ponto de vista, vale a pena perguntar: existe um Bloco de Esquerda para lá de Louçã?

4 comentários:

  1. My two cents:

    O Bloco de Esquerda, partido-movimento ou movimento-partido, sofre do personalismo transversal à política partidária portuguesa. Esse personalismo está intimamente ligado à cultura política portuguesa, minada, desde sempre, pela falta de confiança interpessoal. A qual, diz-me o bom senso, impele os animais políticos lusos à procura de líderes arregimentadores que os ajudem a transcender a sua falta de capacidade para entender a política horizontalmente.

    É melhor confiar num líder (para mais, num líder que, como li num comentário ao blog propagandístico do PS, é catedrático do ISEG e, portanto, não só é merecedor de admiração messiânica - num acto de chauvinismo intelectual que é demasiado comum, em certos círculos, para passar em claro - como todos os outros agentes deverão assentir, em tom submisso, ao evangelho revelado) que no gajo do lado. Porquê? Boa pergunta.

    A democracia participativa faz lembrar, em certo sentido, um Catch-22: as pessoas que a propõem são exactamente aquelas que se revelam menos apropriadas para colocá-la em prática.

    E o Bloco já demonstrou que, "quando ganhar as eleições", como ouvi ontem, não vai fazer grande coisa para apoiar a democracia bottom-up. Mais que todas as outras forças partidarizadas, o partido-movimento devia ter lido Michels antes de se aventurar na demanda do vote-seeking e parvoíces adjacentes (vou só ali apostar no Troca de Opiniões enquanto releio o teu post).

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  2. Não seria tão essencialista no que respeita aos animais políticos lusos (entendendo estes como nós próprios ou a pessoa ao nosso lado). E tenho dúvidas relativamente à existência ou falta de uma confiança interpessoal. Como li uma vez num livro, a democracia é praticada quando vamos ao cinema com amigos e decidimos em conjunto que filme vamos ver. Não é necessário um Louçã que nos ilumine a cerca disso. Apenas é preciso alargar essa dinâmica.

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  3. Essencialista não. Estruturalista, se quiseres. O "desde sempre" é um artifício expressivo, mas desnecessário. É um fenómeno de muito longa duração.

    Quanto à confiança interpessoal, empatia, solidariedade (em sentido lato), acho que existe como conceito e fenómeno empírico. Varia em grau, realmente. E não é preciso ler o José Gil; não é "medo de existir". Basta andar por aí e ouvir as buzinas ou as reclamações murmurantes.

    Tenho dúvidas de que um regime democrático sobreviva com o alargamento da dinâmica que instiga o debate entre amigos que querem decidir o filme a ver. Ou dinâmicas análogas. Mas é um bom ponto de partida. Para que os evangelizadores vão pregar o seu credo para outro território - sejam eles líderes ou membros da vanguarda (seja lá o que isso for, que eu não percebo nada disso).

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  4. Por acaso não acho loução assim tão anti democrático, acho que há muito pior:-

    democracia:-da confiança e da legitimidade quando alguns dizem que a confiança baixou.
    http://mareamos.blogspot.com/2010/03/democracia-da-confianca-e-da.html

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